Efeitos da Inovação no Direito Administrativo brasileiro. Queremos saber o que vão fazer com as novas invenções.

Segunda, 13 de junho de 2022

Efeitos da Inovação no Direito Administrativo brasileiro.  Queremos saber o que vão fazer com as novas invenções.

 

  1. Apresentação do tema

 

Em tempos de crise fiscal como a que estamos experimentando de forma cruel no Estado do Rio de Janeiro, a inovação é o caminho mais seguro e inteligente para a superação das dificuldades. Por meio dela, os finitos recursos financeiros, públicos ou privados, não são desperdiçados e o Estado consegue atingir melhores resultados no desempenho das suas funções.

No Direito Público brasileiro, é comum nos depararmos com ondas temáticas, tópicos que se difundem pela literatura jurídica e ganham a predileção apaixonada da doutrina por alguns anos. Em alguns casos, tornam-se verdadeiras tsunamis, tal como já ocorreu com a análise das diferenças entre regras e princípios, o estudo da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e o tema da judicialização das políticas públicas.

Agora, e não estamos fazendo qualquer tipo de crítica a esse fenômeno, as expressões da moda são inovação disruptiva (mudança abrupta de modelos e sistemas, até então, existentes em virtude de novas tecnologias) e assimetria regulatória (diversidade de regulação para permitir a convivência de serviços e atividades com características distintas). Esses eventos rompem paradigmas e fazem desmoronar os alicerces de institutos jurídicos seculares. As inovações disruptivas são aquelas que viabilizam a entrada de novos atores no mercado, personagens que apresentam respostas simples para os problemas existentes. E isso, não é difícil concluir, mexe com muita gente e revoluciona. 

Neste texto, pretendo focar minha abordagem em três áreas específicas do Direito Administrativo que estão sofrendo constantes impactos das inovações tecnológicas: i) poder de polícia; ii) servidores públicos, e iii) controle da Administração Pública.

 

  1. Inovação e poder de polícia

 

O poder de polícia é um dos que está sofrendo o maior impacto provocado pelas inovações e o que mais exige reflexões da doutrina no cenário contemporâneo, em razão das novidades tecnológicas e das demandas que delas se originam. Nessa área, fica mais nítido o acerto da afirmação de que a nossa sociedade contemporânea só tem uma certeza: a da falência da certeza. Esta a mensagem principal do pragmatismo filosófico e da crença antifundacionalista.

Como muito bem destacado por Gustavo Binenbojm em sua tese para se tornar professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), publicada sob o título Poder de Polícia, Ordenação, Regulação, há um abandono das noções tradicionais, patrimonialistas e burocráticas gravitantes em torno do poder de polícia. O autoritarismo que a ele era inerente é paulatinamente substituído pela exigência social de que o poder de polícia gere resultados capazes de tornar a vida das pessoas melhor. Vivemos em uma época de reiterada transferência do poder de decidir sobre as liberdades individuais do Estado para os indivíduos. Quem passa a validar e avaliar a qualidade dos serviços é o próprio usuário, e não servidores públicos em suas repartições. Booking e Uber são singelos exemplos de atividades que funcionam alimentadas pelo consentimento e avaliação dos usuários. Essas opiniões, aliás, são muito mais relevantes para o sucesso do negócio do que os certificados e licenças emitidos pelo Estado burocrático. ISO 9000 quem dá agora é quem paga pelo serviço consumido.

Sob outra perspectiva, a evolução tecnológica tornou sem sentido a necessidade de consentimento estatal para a prática de atividades que, no passado recente, só poderiam ser prestadas com o aval estatal. Aqui estou me referindo à divulgação de informações por rádio ou TV. Como falar de concessão e permissão de serviço de radiodifusão diante do youtbe? A profissão do momento é ser youtuber. Como defender a competência constitucional da União para estabelecer o caráter indicativo das diversões públicas e de programas de rádio e de televisão, quando se vive em um sistema de aquisição de programas on demand? Um modelo que não comporta escolhas heterônomas e dificulta o cerceamento de conteúdo. O que antes o Estado conseguia controlar, ainda que de forma indicativa, hoje não é mais aceitável com as tecnologias existentes.

Nos trabalhos acadêmicos dos professores Martin Eifert, professor da universidade Humboldt de Berlin, e Wolfgang Hoffman-Riem, professor da Bucerius Law School de Hamburgo, sobre a responsabilidade da inovação (Innovationsverantwortung) e sobre a inovação e regulação jurídica, fica subentendida a ideia de que um governo na era digital deve permitir e estimular a transferência do poder de decidir para os particulares. E resistir ao que é inevitável é perda de tempo.

Nesse cenário contemporâneo, o autoritarismo é substituído pelo consensualismo. Os recursos tecnológicos já permitem que a sociedade civil participe de modo mais amplo da confecção da ordem de polícia e que atue efetivamente na fiscalização. E, por que não aceitar que particulares colaborem mais ativamente no exercício do poder de polícia? Fala-se de presunção de legitimidade do ato administrativo. Mas o que é mais legítimo? Uma assinatura de um fiscal de trânsito atestando que um motorista ultrapassou o sinal vermelho, ou um vídeo feito em um celular comprovando a ultrapassagem do sinal vermelho? A Administração Pública precisa, não apenas receber passivamente essas informações oriundas de particulares, como, também, estimular o seu envio e se preparar tecnologicamente para que isso aconteça, a fim de que o poder de polícia seja exercido da maneira mais eficaz e barata possível.

O Direito Administrativo precisa incorporar as revolucionárias mudanças que os recursos tecnológicos proporcionam. Deve desapegar-se de noções que foram importantes no passado, mas que não fazem mais sentido no mundo fluído contemporâneo. E, nesse raciocínio, em lugar de fazer proliferar sanções punitivas, deveria estimular sanções premiais. A premiação é sempre mais bem sucedida do que o castigo, e a sua fácil disseminação pela internet tem o imediato efeito de estimular comportamentos desejados pelo Estado.

Noutra perspectiva, o alinhamento do consensualismo com o poder de polícia deve permitir a proliferação de acordos substitutivos de sanções. Tal como já ocorre no Direito Penal com a transação penal e a colaboração premiada, a Administração deve estimular acordos que tragam resultados mais eficazes para a sociedade do que as sanções.

Quanto à legitimação do poder de polícia, é preciso destacar que ela depende, no mundo contemporâneo, e muito em virtude das inovações tecnológicas, de uma efetiva i) ampliação dos instrumentos de participação popular, ii) do reforço da exigência de motivação e de iii) de uma atuação da Administração focada na transparência. E a tecnologia tem facilitado, sobremaneira, o atendimento a todas essas exigências. Se a Administração não se preocupar verdadeiramente com a legitimação de seus atos, os destinatários do poder de polícia não hesitarão em questionar os comandos estatais limitadores de sua liberdade e propriedade. 

Em um mundo de inovação, a Administração Pública também não pode se dar ao luxo de desprezar os impactos econômicos do exercício do poder de polícia. A análise econômica dos impactos regulatórios é matéria que tende a ganhar força. Aliás, o estudo da regulação passa pela análise da better regulation e da smart regulation, que primordialmente voltam sua atenção para a simplificação e eficiência na ordenação das atividades econômicas por intermédio do poder de polícia. Mais um tema a ser desenvolvido no Direito Administrativo brasileiro.

 

  1. Impactos da inovação no regime jurídico dos agentes públicos

O regime jurídico de todo e qualquer servidor público brasileiro, independente do ente da federação para o qual exerça suas funções, considera algumas premissas que, com a tecnologia atualmente disponível, não fazem sentido. A título de ilustração, a legislação despreza, com raras exceções, a possibilidade de o trabalho do servidor ser realizado fora do local de trabalho.

Ainda são tímidas as iniciativas da Administração Pública brasileira destinadas a substituir a lógica anacrônica do controle da qualidade do trabalho focado na quantidade de horas do agente público na repartição por um controle de resultados. Este último, muito mais eficiente, permite uma avaliação plena e adequada do desempenho do trabalhador, independentemente de onde ele esteja. Nos Estados Unidos, por exemplo, desde 2010 já existe uma legislação sobre o trabalho remoto que permite que servidores públicos federais trabalhem de casa.

O controle de resultados, totalmente viável quando o servidor está fora do local de trabalho, e mesmo fora do país, ainda é enxergado como uma medida ousada e que facilitaria/estimularia o ócio. Esta é uma área pouco explorada no serviço público: a utilização da tecnologia para estimular o trabalho remoto e incentivar a redução de despesas na Administração Pública. E, na doutrina administrativista, pouco se desenvolve a respeito do tema.

Estudos científicos indicam que o trabalho remoto aumenta a produtividade do trabalhador, reduz despesas da empresa bem como o turn over, maximizando o grau de satisfação dos trabalhadores.

Ainda em relação aos impactos dos avanços tecnológicos no regime dos servidores, é preciso lembrar que a revolução tecnológica da medicina permite que as pessoas tenham vidas mais longas e trabalhem por mais tempo. No serviço público brasileiro, a idade para aposentadoria compulsória agora é de 75 anos de idade, e não mais de 70. Essa nova conjuntura, aliada à inexistência de um efetivo regime de paridade na aposentadoria, ainda que decorrente da proliferação de vantagens pro labore faciendo que não são pagas aos aposentados, está produzindo como consequência um número expressivamente maior de servidores públicos idosos na ativa. Ser servidor aos 75 anos está se tornando algo comum. 

E o regime jurídico dos servidores não adota qualquer política de recursos humanos que permita que o agente idoso continue a ter uma produtividade razoável. Não há treinamentos, e nem mesmo estímulo ao aprimoramento de quem tem mais idade. E os problemas, que comprometem a qualidade do serviço público, estão aparecendo: aumento das licenças para tratamento de saúde e das punições disciplinares por baixa produtividade são apenas exemplos.

Nos Estados Unidos, os juízes federais do artigo 3º da Constituição norte-americana (article 3 federal judges) e que desempenham o mandato por toda a vida (for life), podem se beneficiar de uma política de redução da carga de trabalho quando atingem uma idade avançada e um determinado período de trabalho como magistrado. Na Alemanha, os professores que podem se aposentar em razão da idade e do tempo de trabalho e que atendam os requisitos para a Emeritierung, tornam-se professores Eméritos e podem optar por continuar a trabalhar com uma carga de trabalho reduzida. No Brasil, nada temos, ainda, nesse mesmo sentido.

É inviável exigir de quem tem uma idade mais avançada o mesmo volume (quantitativo, diga-se de passagem) de produtividade que os que acabaram de ingressar no serviço público. É natural que aquele que chegou mais cedo tenha uma resistência maior às novidades tecnológicas, o que pode comprometer a eficiência no trabalho e, nessa linha, a qualidade do serviço público. Por outro lado, os que chegaram antes possuem uma experiência inigualável que poderia ser transmitida aos mais novos por meio de uma carga de trabalho reduzida.

Nesse diapasão, é razoável pensar que há espaço para uma evolução do regime jurídico dos servidores públicos, inclusive no patamar constitucional, a fim de se permitir a redução da carga de trabalho de quem, por exemplo, alcançar 70 anos de idade. 

As inovações tecnológicas que estamos presenciando no mundo contemporâneo, e que só tendem a aumentar, também influenciam a forma de agir dos servidores públicos. Quando se está diante de um mundo com vários caminhos a serem escolhidos e não há mais clareza quanto a qual deles se deve trilhar do ponto de vista jurídico, os servidores públicos ficam mais receosos e evitam assumir posições corajosas; esquivam-se de tomar decisões de vanguarda.

Um dos maiores problemas atuais da Administração Pública brasileira é o da falta de coragem e de comprometimento daqueles que precisam decidir. Aqui vigora o mantra de que aquele que indefere dorme tranquilo. E tal circunstância muito decorre da mistura explosiva de um ambiente de modernidade fluida permeado por inovações com as inúmeras possibilidades de punição de quem decide (punição disciplinar, sanção por improbidade administrativa, condenações pelo Tribunal de Contas e no âmbito cível). E o tempero deste caldeirão é a abordagem excessivamente principiológica do intérprete que atua com o direito sancionador brasileiro. As alegações de violação aos princípios da moralidade, proporcionalidade e da eficiência são corriqueiras e acabam por proporcionar extrema insegurança jurídica, quando as sanções não são devidamente fundamentadas. Não há servidor público que queira assumir riscos neste cenário.

O nosso ordenamento precisa urgentemente ser alterado para empoderar o servidor público, retirando dele o receio da responsabilização. Apenas dessa forma é que projetos de grande porte e que exigem uma estruturação mais complexa tornam-se viáveis em âmbito nacional.

Em outubro de 2017, o PL nº 7.448/2017 foi aprovado na CCJC da Câmara dos Deputados. Este projeto de lei, que altera a Lei de Introdução às Normas do Direito, inclui 11 artigos sobre segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público. Um PL que propõe uma lei nacional e geral de direito público, focada em segurança jurídica e eficiência da ação estatal como um todo.

O projeto adota como premissa a ideia de que juízes e controladores compartilhem, em alguma medida, com a Administração Pública a construção em concreto do interesse público. E ele, também, impede a vulgarização da responsabilidade do servidor público.

Em sendo aprovado, teremos mecanismos mais eficientes para a gestão de políticas públicas e uma atuação do administrador que foca nas consequências práticas das suas decisões. Tudo a ver com uma visão mais atual e pragmática do direito público.

O direito administrativo do futuro deve atentar para o fato de que suas normas precisam, como costuma dizer Carlos Ari Sundfeld, ser “pensadas para o conjunto de Poderes e órgãos constitucionais autônomos, à diferença dos Códigos de Processo, que disciplinam a atuação só da Justiça”. Nesse contexto, um dos papeis do Administrador Público e do estudioso do Direito Administrativo é o de estreitar o espaço entre a realidade e as regras legais, evitando que haja um distanciamento excessivo capaz de fazer com que as normas jurídicas sejam desprezadas e as escolhas sejam filtradas por outros meios alternativos de organização da sociedade, nem sempre tão idôneos ou seguros quanto o Direito.

 

  1. Repercussão das inovações tecnológicas no controle da Administração Pública

 

Em relação ao controle da Administração Pública, também surgem novidades e tendências. Uma mudança que se tem percebido é o incremento da participação dos órgãos de controle previamente às decisões administrativas. Naturalmente que o Tribunal de Contas não pode condicionar a celebração de um contrato administrativo à sua prévia anuência. E nem é isso o que aqui se propõe. Quem foi eleito para administrar é quem deve decidir sobre os ajustes que serão formalizados e sobre os atos a serem expedidos. Contudo, a insistência num modelo de controle exclusivamente a posteriori pode acarretar severos problemas. Corrigir algo que já ocorreu pode provocar transtornos que seriam evitados caso o blessing do órgão de controle fosse prévio. 

O modelo atual de controle por meio de tribunais de contas que atuam após o exaurimento dos atos não tem se mostrado satisfatório. É preciso estimular o controle prévio e concomitante. E mais do que isso: que o controle seja exercido por meio de certificações e focado em áreas específicas. Nessa linha de raciocínio, a função de registro de aposentadoria não pode receber a mesma atenção que o controle de projetos estatais de grande porte. A fila de espera não pode ser a mesma. Por isso, é de merecer aplausos a iniciativa do TCU de criar, em janeiro de 2016, a Secretaria Extraordinária de Operações Especiais em Infraestrutura (SeinfraOperações), uma unidade de controle voltada para a infraestrutura.

A atividade de controle também precisa prestigiar as informações coletadas na sociedade e organizar os dados que são recebidos. A tecnologia já permite isso. Com o emprego de ferramentas de business intelligence (BI), foi desenvolvido no âmbito do TCU um painel eletrônico que publica os riscos inerentes a contratos administrativos firmados para a execução de obras rodoviárias. Para tanto, foram feitos cruzamentos de dados públicos com uma matriz que considera as fontes de riscos em obras rodoviárias.

O TCU também já faz uso de imagens de satélites e de veículos aéreos não tripulados (VANTS) para o acompanhamento de obras públicas, permitindo que se analise o estágio da obra. E o emprego dessas tecnologias produz inúmeros benefícios, tais como o aumento da eficiência da fiscalização pela redução dos gastos com viagens, diárias e deslocamentos. A tendência é, aliás, a de proliferação do emprego de novas tecnologias pelos mais diversos órgãos estatais de controle, o que pode contribuir, sobremaneira, para a disseminação do salutar controle social. Por que não usar a tecnologia para fomentar que a sociedade civil exerça um maior controle da Administração Pública?

Por fim, o controle da Administração Pública no Brasil ainda é exercido de forma muito difusa e ineficiente. O nosso modelo de federação acaba, na prática, não sendo de cooperação, mas uma federação de exigências superpostas, sem qualquer compromisso com o desenvolvimento do país. Por isso, é imprescindível a criação de mecanismos de fast track destinados a tornar o processo decisório de controle mais coeso e simplificado no Brasil. Excesso de controle, especialmente quando não se tem um ambiente de uniformidade e coerência, só desestimula o empreendedorismo e afasta os investimentos de qualidade.

 

  1. Conclusões

 

A tecnologia pode aproximar a sociedade civil do Estado e evitar o desperdício de recursos públicos mediante o foco na obtenção de melhores resultados. E, através da incorporação inteligente das inovações tecnológicas, o Direito Administrativo poderá contribuir, sobremaneira, no enfrentamento dos graves problemas da sociedade brasileira, tal como ocorre com a atual crise fiscal sem precedentes. Assim, o Direito Administrativo contemporâneo (e do futuro) deve rapidamente desapegar-se de algumas noções que foram importantes no passado, mas que não fazem mais sentido no mundo fluído contemporâneo.

Inovação disruptiva e assimetria regulatória são as expressões da vez e precisam ser muito bem estudadas pelo Direito Administrativo, especialmente porque destroem modelos jurídicos seculares, sem que exista uma ponte para se chegar ao que é novo. A novidade aparece em um cenário caótico em que o antigo deixa de existir em tempo recorde. 

Por sua vez, a inovação no âmbito do poder de polícia permite que o autoritarismo a ele inerente seja substituído pela exigência social de que o poder de polícia gere resultados capazes de tornar a vida das pessoas melhor. O autoritarismo é substituído pelo consensualismo, na medida em que a tecnologia já permite que a sociedade participe mais efetivamente das escolhas públicas. A Administração Pública precisa, não apenas receber passivamente essas informações oriundas de particulares, como, também, estimular o seu envio e se preparar tecnologicamente para que isso aconteça, a fim de que o poder de polícia seja exercido da maneira mais eficaz e barata possível. E, nesse cenário, estamos experimentando uma quadra histórica de crescente transferência do poder de decidir sobre as liberdades individuais do Estado para os indivíduos. Quem passa a validar e avaliar a qualidade dos serviços é o próprio usuário, e não servidores públicos em suas repartições.

Noutro giro, os avanços proporcionados pela tecnologia tornam sem sentido a exigência de consentimento estatal para a prática de uma série de atividades. Muito do que antes o Estado devia e conseguia controlar em termos de liberdade, hoje não é mais aceitável com as tecnologias existentes. E resistir ao que é inevitável é perda de tempo.

No âmbito do poder de polícia, as inovações tecnológicas facilitam a sua legitimação, pois ampliam os instrumentos de participação popular, facilitam o conhecimento quanto ao motivo dos atos administrativos, incentivam o aumento da atuação transparente da Administração e permitem um conhecimento melhor dos impactos econômicos do exercício do poder de polícia.

Em relação aos servidores públicos, as inovações tecnológicas originam incertezas quanto aos caminhos que podem ser trilhados, e isso faz com que, em inúmeras situações, eles evitem adotar posturas corajosas. A dúvida diante do novo torna as decisões de vanguarda fenômenos raros no serviço público. E um dos maiores problemas da Administração Pública brasileira é a falta de coragem e de comprometimento daqueles que precisam decidir. Um ambiente de modernidade fluida permeado por inovações é a combinação perfeita para que, indevidamente, se justifique o medo, e o papel do Direito Administrativo é lutar para inverter essa lógica. A atuação corajosa e isenta deve ser estimulada e o servidor público incentivado a decidir sem o risco de uma banalização da responsabilidade. Sem essa lógica, o país estará fadado a apenas desenvolver pequenos projetos ou obras que nunca terminam. Nada de maior complexidade se realiza sem a assunção de riscos.

No que concerne à atividade de controle da Administração Pública, as inovações tecnológicas têm exercido uma forte influência e permitido que se priorize o controle prévio ou concomitante em detrimento do controle posterior. Corrigir algo que já ocorreu pode provocar transtornos que seriam evitados, caso o blessing do órgão de controle fosse prévio. Nessa linha, os órgãos de controle precisam ter a compreensão de que também são responsáveis pelo desenvolvimento do país. E a atividade de controle precisa dar a devida relevância às inovações tecnológicas, a fim de prestigiar as informações coletadas na sociedade e organizar os dados que são recebidos, o que pode ser feito com as ferramentas de business intelligence.



  1. Referências bibliográficas

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